Mulheres de Cinzas - Mia Couto


Couto, Mia. Mulheres de Cinzas. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. 344 páginas. (Trilogia As Areias do Imperador, v. 01). Skoob.

Sinopse

“Primeiro livro da trilogia As Areias do Imperador, Mulheres de cinzas é um romance histórico sobre a época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane (ou Gungunhane, como ficou conhecido pelos portugueses), o último dos líderes do Estado de Gaza - segundo maior império no continente comandado por um africano.
Em fins do século XIX, o sargento português Germano de Melo foi enviado ao vilarejo de Nkokolani para a batalha contra o imperador que ameaçava o domínio colonial. Ali o militar encontra Imani, uma garota de quinze anos que aprendeu a língua dos europeus e será sua intérprete. Ela pertence à tribo dos VaChopi, uma das poucas que ousou se opor à invasão de Ngungunyane. Mas, enquanto um de seus irmãos lutava pela Coroa de Portugal, o outro se unia ao exército dos guerreiros do imperador africano.
O envolvimento entre Germano e Imani passa a ser cada vez maior, malgrado todas as diferenças entre seus mundos. Porém, ela sabe que num país assombrado pela guerra dos homens, a única saída para uma mulher é passar despercebida, como se fosse feita de sombras ou de cinzas.Ao unir sua prosa lírica característica a uma extensa pesquisa histórica, Mia Couto construiu um romance belo e vívido, narrado alternadamente entre a voz da jovem africana e as cartas escritas pelo sargento português.”

Quando se fala em literatura africana, Mia Couto é uma sumidade! Reconhecido e aclamado, é o autor mais traduzido do Moçambique e busca em seu texto recriar o língua portuguesa moçambicana. E mesmo com toda esse fama, eu vergonhosamente nunca tinha lido nada dele e vi em Mulheres de Cinzas a chance de conhecer sua famosa narrativa.

O livro fala da invasão e dominação portuguesa ao Moçambique e das dificuldades que os europeus tiveram em decretar as terrar africanas como “Terras da Coroa”. Isso porque, o Moçambique já possuía um imperador, Ngungunyane, um grande líder que estava disposto às últimas consequências para defender suas terras. Em meio a esse conflito, está o vilarejo de Nkokolani, onde vive Imani. Filha de um líder local, ela foi educada por religiosos e tem um português impecável, por isso, quando sargento português Germano fica aquartelado no local, Imani é escolhida para ser sua intérprete.

Assim que o Sargento Germano chega ao vilarejo, ele conquista a todos por parecer ser diferente dos outros portugueses, por não tratar os africanos com desprezo ou repulsa. Pelo contrário, ele parece se importar com o povo e traz a promessa de melhoras e proteção, e até mesmo Imani se encanta com os bons modos do moço. O problema é quem nem sempre somos o que parecemos ser.

A partir daí, Mia Couto cria uma história profunda e envolvente, e que conseguiu ser completamente diferente de tudo o que já li. Primeiro, porque apesar do que parece, o enredo não foca no romance, ele vai muito além de um casal marcado pela guerra. Ele fala de um povo que enfrenta as agruras de ser considerado inferior e que tenta manter viva sua cultura e suas crenças. E esse é o ponto do livro que mais me conquistou: conhecer mais da cultura africana, dos mitos e tradições e de sua maneira peculiar de encarar a vida.

Os personagens são muito reais e verossímeis, de uma maneira que se encaixa perfeitamente na obra. Digo isso porque a história se passa em um tempo e lugar muito distantes do meu, mas me senti tão adaptada ao enredo e à narrativa, que tudo fez muito sentido para mim, como se eu também pertencesse àquele tempo e àquele lugar. Eu consegui entender todas as atitudes e decisões de Imani, de seu povo, e até dos portugueses, porque consegui me ambientar na história e me por no lugar deles. Isso Graças a narrativa única de Mia Couto, que mais parece poesia do que prosa.

“Os imperadores têm fome de terra e os seus soldados são bocas devorando nações. Aquela bota quebrou o Sol em mil estilhaços. E o dia ficou escuro. Os restantes dias também. Os sete sóis morriam debaixo das botas dos militares. A nossa terra estava a ser abocanhada. Sem estrelas para alimentar os nossos sonhos, nós aprendíamos a ser pobres. E nos perdíamos da eternidade. Sabendo que a eternidade é apenas o outro nome da Vida.” (p.15)

Chamar um texto desses de poesia me parece muito pouco, porque Mia Couto transcendeu em muito o conceito. Em sua narrativa, ele conseguiu transcrever um momento histórico muito delicado sem arrogância e sem apontar culpados e inocentes. Ele conseguiu por um português e uma africana frente a frente, para que cada um contasse seu lado da história, a assim, não criou mocinhos nem vilões.

Enfim, é uma história única, tocante e inesquecível. Para quem está acostumado a ler apenas livros americanos, europeus ou brasileiros, uma dica: dê mais atenção ao africanos pois existe muita literatura além. Literatura capaz de nos tirar da zona de conforto e repensar velhos conceitos arcaicos que nos foram incutidos e que repetimos sem nenhuma reflexão e nos impede de conhecer um mundo novo, que está muito além de nossas fronteiras limitadas.

O Autor

Mia Couto nasceu em 1955, na Beira, Moçambique. É biólogo, jornalista e autor de mais de trinta livros, entre prosa e poesia. Seu romance Terra sonâmbula é considerado um dos dez melhores livros africanos do século XX. Recebeu uma série de prêmios literários, entre eles o Prêmio Camões de 2013, o mais prestigioso da língua portuguesa, e o Neustadt Prize de 2014. É membro correspondente da Academia Brasileira de Letras.

Avaliação (5/5)






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9 comentários:

  1. Oi, já vou falar muito de Mia Couto, mas nunca tive oportunidade de ler alguma obra. Um livro que não foca apenas no romance mas em outras situações é sempre uma excelente obra a ser lida.
    Precisamos sim conhecer mais autores nesse mundão.

    Beijinhos, Helana ♥

    In The Sky, Blog / Facebook In The Sky

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  2. Mia Couto, como não amar? E sim, ler livro de autores de outros países é uma boa, li ele por acaso, quando uma professora da universidade me indicou ele, e simplesmente me encantei com a leitura.
    https://nerdbookblog.wordpress.com/

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  3. Nunca li o livro, mas ele parece realmente interessante, um maneira de mergulhar em uma cultura diferente. Ótima resenha ;)
    http://pegueumaxicarablog.com/

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  4. Olá,

    já ouvi falar de Mia Couto, mas não estou lembrando dessa obra, nunca li qualquer livro dela e sinceramente não faz muito meu gênero, mas indicaria para amigas que gostam do gênero. Gostei muito da sua resenha, parabéns. www.sagaliteraria.com.br

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  5. Oi Yvens!
    Que pena que você não leu nada do Mia Couto, ele é um autor excepcional. Tenho certeza de que se experimentasse vc iria se apaixonar pelo estilo dele.
    Que bom que você gostou da resenha. Me dediquei muito à ela, e é bom saber que está sendo lida com tanto critério.
    Bjs!

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  6. Catharina Mattavelli11 de março de 2016 às 16:05

    Oiiie
    nunca li nada do autor mas tenho bastante curiosidade e gostaria de arriscar em algum momento pois ele é bem famoso pelo que escreve, bela resenha

    Beijos
    http://realityofbooks.blogspot.com.br/

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  7. Nina, eu li um livro do Mia Couto na época da faculdade e também fiquei encantada pela escrita dele, é uma pena que não seja algo tão divulgado aqui.
    Pelo que você disse esse também é um ótimo livro.

    Lisossomos

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  8. Li uma obra que também era um romance em um momento marcante da história e simplesmente amei, por isso me interessei por essa história. Não conhecia nada do autor mas já quero ler essa obra.
    www.apenasumvicio.com

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  9. Olá, não conhecia essa obra, mas depois de ler a resenha fiquei bem interessada, já anotei a dica!

    Beijokas da Quel ¬¬
    Literaleitura

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