Ninguém Nasce Herói - Eric Novello


NOVELLO, Eric. Ninguém Nasce Herói. São Paulo: Seguinte, 2017. 384 p. Skoob.

Sinopse
“Num futuro em que o Brasil é liderado por um fundamentalista religioso, o Escolhido, o simples ato de distribuir livros na rua é visto como rebeldia. Esse foi o jeito que Chuvisco encontrou para resistir e tentar mudar a sua realidade, um pouquinho que seja: ele e os amigos entregam exemplares proibidos pelo governo a quem passa pela praça Roosevelt, no centro de São Paulo, sempre atentos para o caso de algum policial aparecer. 
Outro perigo que precisam enfrentar enquanto tentam viver sua juventude são as milícias urbanas, como a Guarda Branca: seus integrantes perseguem diversas minorias, incentivados pelo governo. É esse grupo que Chuvisco encontra espancando um garoto nos arredores da rua Augusta. A situação obriga o jovem a agir como um verdadeiro super-herói para tentar ajudá-lo — e esse é só o começo. Aos poucos, Chuvisco percebe que terá de fazer mais do que apenas distribuir livros se quiser mudar seu futuro e o do país.”

Durante o encontro de livreiros da Companhia das Letras tive a oportunidade de conhecer Eric Novello, um jovem e talentoso autor nacional. No evento ele falou um pouco sobre a trama de Ninguém Nasce Herói e eu me identifiquei instantaneamente com o enredo. Além de amar cenários distópicos, a historiadora aqui surta cada vez que um livro fala de revolução e de luta contra um governo opressor. Agora imaginem tudo isso acontecendo no Brasil e ainda sendo inspirado pela manifestações de 2013? Tem como não amar?

Ninguém Nasce Herói se passa em um futuro próximo em que o Brasil é governado por uma ditadura fundamentalista. Logo após as manifestações de 2013, uma onda reacionária tomou conta de país com o objetivo de combater a violência crescente das ruas. Os chamados "cidadãos de bem" se viam no direito de se defender como bem entendesse, já que o estado não era capaz de lhes garantir a segurança, e o caos tomou conta das ruas. Nesse cenário, surge o Escolhido, um deputado filiado em a partido insignificante mas que com seu discurso fundamentalista segue uma carreira meteórica na política. Eleito presidente, ele faz reformas que limitam as liberdades individuais e lentamente o país mergulha no cruel ditadura disfarçada de defesa dos interesses do tal cidadão de bem. Censura aos meios de comunicação, livros proibidos, prisões arbitrárias, desaparecimento de políticos e pessoas que se opõem ao governo e até a criação de uma milícia armada para combater quem se atrevesse a reclamar, a tenebrosa Guarda Branca.

É nesse cenário de medo e intolerância que vive Chuvisco, o protagonista do livro. Tímido e sonhador, ele tenta combater o regime distribuindo livros nas ruas, para que as pessoas não se esqueçam do que está sendo tirado delas. Ele não tem medo de arriscar sua vida por um futuro melhor, mas teme perder seus amigos: Amanda, Cael, Gabi e Pedro. Os cinco tem uma amizade forte e sincera e tentam conviver da melhor maneira possível, mesmo com os tempos sombrios que assolam o país. Mas a pouca segurança que eles têm fica ameaçada quando Chuvisco vê um garoto sendo espancada na rua pela Guarda Branca e resolve ajudá-lo, a partir daí ele passa a ser alvo dos fanáticos integrantes do grupo e o grupo de amigos vai precisar se unir ainda mais se quiser proteger Chuvisco de retaliações.

“É uma bolha, nosso mundo perfeito. Pessoas diferentes e iguais ao mesmo tempo. Que falam de filmes, música, relacionamentos e da falta deles, de sonhos loucos, política, viagens e profissões. Que discordam e não se matam por isso. Um talento que a muitos parece perdido.” 

Para complicar um pouco mais uma situação que já não está nada fácil, eles descobrem um grupo revolucionário chamado Santa Muerte, que expõe na internet os atos de violência e intolerância dos apoiadores do governo, com o objetivo de denunciá-los. Chuvisco vê no grupo sua chance de defesa e também de combater o governo, mas por mais que ele tente entrar em contato, mais o grupo se esquiva.

Só o que falei até aqui já é assunto para mais que rechear o livro, mas ainda tem mais. Chuvisco sofre de uma estranha doença que ele chama de catarse criativa. Dono de uma imaginação extremamente fértil, em alguns momentos ele entra em surto e começa confundir o real com o imaginário e nesses momentos sua imaginação voa tão longe que ele vê e interage com elementos fantásticos como se estivessem no mundo real. Esses surtos estão ligados ao estado emocional de Chuvisco, ou seja, quanto mais emotivo ele estiver, maior a chance de um surto.

“Quebrando um velho hábito, me permito ter esperança. É justamente a esperança de que não estamos sós que vai nos levar à vitória. O resultado de nossa coragem é uma mensagem que vai sobreviver ao tempo e ao que existe do outro lado do rio.”

Ninguém Nasce Herói é um livro muito forte e cheio de personalidade. A narrativa de Eric Novello é incrível, ele conseguiu dosar realidade e fantasia de uma maneira genial. Tanto é que teve momentos em que eu já não sabia mais o que era real e o que era fruto da imaginação hiper fértil de Chuvisco. Tem momento em que ele está de boa, batendo papo com os amigos e de repente está perseguindo borboletas ou vestindo uma armadura estilo Homem de Ferro, e isso trouxe muita agilidade ao livro.

Outro ponto que chamou minha atenção foi a grande representatividade que o autor deu às minorias. Os personagens são diversos, tem negro e branco, heterossexuais e homossexuais, cis e trans, ateus e religiosos. Isso associado ao momento de intolerância que o livro descreve, nos traz uma enorme lição de respeito às diferenças.

Eu só senti falta de mais detalhes sobre a política, mais cenas de enfrentamento e combate ao governo. Não que não tenha, não é isso, mas eu imaginava que o livro teria essa luta como tema central e não foi bem assim, na verdade o tema é a amizade e a diversidade.

O livro me impressionou por refletir muito do nosso mundo. É assustador perceber o quanto estamos próximos de viver o cenário político que Eric Novello descreve como fictício, o quanto algumas situações de intolerância extrema que ele apresenta não estão distantes da nossa realidade, onde o clima de ódio está cada vez mais crescente. Onde, para proteger “direitos” que acreditamos ter, não se hesita em destruir o outro, o diferente, o que incomoda. Assim, o livro nos traz uma amostra cruel de para onde podemos ir caso não mudemos nossa postura.

O Autor

Eric Novello é escritor, tradutor e roteirista com formação no Instituto Brasileiro de Audiovisual. Nasceu no Rio de Janeiro em 1978 e mora em São Paulo desde 2007. É autor de Exorcismos, amores e uma dose de blues (Gutenberg, 2014), A sombra no Sol (Draco, 2012), Neon azul (Draco, 2010) e Histórias da noite carioca (Lamparina, 2004).

Avaliação (4/5)



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